O DIA EM QUE TAUBATÉ PERDEU 200 ANOS DE SUA HISTÓRIA
Desenho de como seria a aldeia de São Francisco das Chagas de Taubaté
Fonte - Paulo Camilher Florençano
O ano de 2023 ficou registrado na história de Taubaté como o ano da mudança do feriado municipal da comemoração do aniversário da cidade, de 5 de dezembro para 5 de fevereiro, sendo que o ano original da fundação oficial de Taubaté foi em 1645, trocado pelo ano de elevação à cidade, já no segundo império em 1842.
Com isso, foram varridos para baixo do tapete quase dois séculos de história da cidade, levando de roldão o pioneirismo de Taubaté no ciclo da cana-de-açúcar e no ciclo do ouro no Brasil.
E porquê, perguntariam os mais afoitos, essa decisão foi tomada?
De maneira simplista, essa atitude política visou apenas a satisfação da classe empresarial de Taubaté, que alegou prejuízo financeiro no comércio da cidade, com um feriado em um mês tão lucrativo como dezembro, com as festas do Natal. Segundo eles, o feriado provocava um êxodo dos clientes para outros centros consumidores mais completos, como São José dos Campos.
E também teriam que arcar com os custos do pagamento de 100% das horas extras trabalhadas pelos comerciários, por ser o 5 de dezembro um feriado municipal.
Prefeitura e Câmara Municipal agiram no sentido de empurrar o feriado para 5 de fevereiro, privilegiando o lobby dos comerciantes taubateanos, em detrimento do fator histórico e da importância de Taubaté na conquista do território brasileiro, com os taubateanos fundando mais de vinte cidades nas Minas Gerais no ciclo do ouro do século 17.
A DATA DE 1842
Em 5 de fevereiro de 1842, no segundo império de Dom Pedro II, Taubaté é agraciada com o título de cidade, mera formalidade administrativa e política, para classificar importantes vilas que tinham protagonismo produtivo e comercial.
A esse tempo, ricos cidadãos taubateanos financiavam o déficit da coroa, emprestando e doando ao império importantes somas de dinheiro para bancar o pagamento de taxas e impostos devidos à Inglaterra e outras dívidas. Taubaté vivia um boom de crescimento econômico com o início do ciclo do café no Vale do Paraíba.
Taubaté em 1830
Fonte - Mestrado da Arquiteta Lívia Vierno
Como reconhecimento aos devotos dessa nobre causa, Dom Pedro II concedia títulos de nobreza às escâncaras, nomeando barões, viscondes, condes, marqueses, duques em profusão, enfim, os amigos do rei. Coroando esse reconhecimento aos amigos do rei, Dom Pedro e seu parlamento transformavam vilas em cidades, com direito a ter representantes da coroa e seções administrativas do império, tudo no mais absoluto interesse político e comercial, que necessariamente não beneficiavam o populacho comum.
COMO TAUBATÉ PASSOU A EXISTIR
Podemos dizer sem sombra de dúvidas, que o aldeamento de São Francisco das Chagas de Taubaté passou a existir por causa de uma briga em família.
Pois é, desde o início Taubaté carrega esse carma de ser vítima do domínio de famílias abastadas na política até os dias de hoje.
Foi uma disputa de terras, dos herdeiros da Capitânia de São Vicente, a primeira iniciativa no Brasil de se constituir uma PPP - parceria público privada, o que se provou desde há 500 anos ser uma iniciativa que nunca dá certo.
A Condessa de Vimieiro, Mariana de Souza da Guerra, herdeira de Martim Afonso de Souza, fundador da Capitânia de São Vicente em 1532, mesmo sem nunca ter estado no Brasil, estava na posse de toda a região que ia de Parati a Cananéia, chegando até as proximidades de Campinas, incluído aí o planalto de Piratininga, onde entre outras vilas seria fundada a de São Paulo. No total, 100 léguas de terras pertencentes a uma única dona.
Só que não, pois havia 10 léguas de terra nessa mesma região que foram dadas pela coroa portuguesa ao irmão de Martim Afonso, Pero Lopes de Souza, que veio junto na primeira expedição colonizadora para explorar as terras brasileiras.
Aí começou a encrenca, pois o herdeiro de Pero Lopes de Souza, o Conde de Monsanto, Álvaro Pires de Castro e Souza, invadiu em 1621 a área demarcada de sua herança de 10 léguas, e grilando sem escrúpulos mais 5 léguas, avocando para si a Capitânia de São Vicente e a primeira aldeia fundada no Brasil.
Condessa de Vimieiro e Conde de Monsanto
Fonte - Wikipedia
O caso foi parar nos tribunais portugueses, e no tapetão o Conde de Monsanto ganhou a fatura em 1624, ficando na posse de São Vicente, Santo André, Mogi das Cruzes e São Paulo, as vilas que já existiam a essa época, mantendo o nome da capitânia.
Restou a pobre Condessa de Vimieiro mudar a sede de sua capitânia para a vila de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, passando então a ser a Capitânia de Itanhaém, com um enclave incrustado de 15 léguas dentro de sua capitânia pertencente ao seu primo grileiro da Capitânia de São Vicente.
Tribunal Português
Fonte - Wikimedia
Temendo ser espoliada por outros parentes herdeiros, a condessa resolveu povoar a região de forma legal, com tudo no papel. Para tanto, foi convocado um rico paulista morador da Vila de São Paulo, o sertanista e bandeirante Jacques Félix para distribuir datas de terras e sesmarias para quem quisesse povoar a propriedade da condessa.
Capitânia de Itanhaém
Fonte - Benedito Calixto
Acontece que por pesquisas documentais verificou-se que o próprio Jacques Félix, em 1625 já tinha uma fazenda aqui na região de Taubaté/Tremembé, nas proximidades do caminho da Garganta do Piracuama, que levava ao sul de Minas Gerais, na futura região aurífera descoberta pelo taubateano Antonio Rodrigues Arzão em 1693.
O processo de povoação foi lento, e depois de duas cartas de provisão, uma de 1636 e outra de 1639, que autorizava Jacques Félix a distribuir as sesmarias de terra, é que a região de Taubaté foi então ocupada o suficiente para se transformar numa futura vila.
Para receber o foral de vila, Jacques Félix precisou ainda erguer uma capela e a Casa de Câmara e Cadeia, com o costumeiro pelourinho, símbolos da fé, da ordem e da justiça. A elevação à categoria de vila veio então em um documento datado de 5 de dezembro de 1645. Em janeiro de 1646, os homens bons, como eram conhecidos os vereadores à época tomaram posse na Casa de Câmara e assim começou a epopéia da primeira vila do Vale do Paraíba paulista.
E AÍ, 5 DE DEZEMBRO OU 5 DE FEVEREIRO?
Historicamente não tem como manobrar politicamente a troca da comemoração do aniversário da cidade, do 5 de dezembro quando tudo começou, pelo 5 de fevereiro, uma data meramente administrativa e de cunho político-econômico.
Vila de Taubaté
Fonte - Paulo Camilher Florençano
Como explicar aos alunos da escola nas aulas de história do Brasil que o aniversário da cidade é comemorado 197 anos depois de sua fundação?
Prefeito e vereadores resolveram atender aos interesses financeiros de apenas uma classe patronal, colocando em primeiro lugar os valores materiais. Não é para menos que Taubaté virou chacota no cenário nacional, uma vez que seus próprios cidadãos negam sua história e seu passado representativo na formação do Brasil-Colônia e da construção da integração nacional de seu território.
Já se dizia que “um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”, ou mesmo “um povo sem história é um povo sem memória.”
Taubaté só tem 380 anos de existência, e aí taubateano, conhece essa história?
PARA SABER MAIS:
Documentário em vídeo com 7 episódios
Link do YouTube:
FÉLIX GUISARD - TAUBATÉ: DAS MÃOS DA TERRA ÀS MÃOS DA GRAXA - YouTube
https://www.youtube.com/playlist?list=PLuENE48Sl2ufAiYsTKIBQNk0T9rdzJpbJ