Carlos Eduardo Valim
Com R$ 130 bilhões sob gestão, o fundo Pátria Investimentos esteve, na semana passada, no centro das discussões do mercado de investimentos brasileiro, por conta de um fundo de R$ 50 milhões que resultou em prejuízo para os cotistas. A empresa é um dos símbolos da Faria Lima.
A enorme repercussão aconteceu menos pelos valores envolvidos — ou pelo impacto financeiro para a gestora de investimentos — do que pela curiosidade: as cotas do fundo, chamado Pátria Special Opportunities II e voltado a investimentos em shopping centers do interior do País, foram remarcadas em R$ 301 negativos.
Isso exigirá um aporte médio de R$ 240 mil por investidor, para poder deixar o negócio para trás, além da perda de todo o investimento feito.
Depois da forte exposição da empresa, o sócio da gestora de fundos, José Augusto Teixeira, falou com o Estadão, para analisar os impactos da repercussão do caso. Ele buscou contextualizar o investimento que deu errado dentro do portfólio completo da empresa.
“Foi um erro pequeno, de 0,03% em relação ao que temos em gestão, e mesmo frente aos R$ 8 bilhões que investimos por ano, mas que a gente levou muito a sério”, afirma. “Qualitativamente, (o caso) para nós, foi muito mais importante do que quantitativamente. Houve repercussões e aprendizados importantes.”
Segundo Teixeira, o encerramento do fundo, que ainda precisa passar por aprovação dos investidores em relação ao chamado para capitalização, vai colocar um ponto final nos investimentos da gestora nos negócios de shopping centers do interior do País.
Feita a partir de 2012, a aposta fracassou, admite o investidor. Mas ele defende que isso não deveria comprometer a reputação conquistada pelo Pátria pelas últimas duas décadas, a ponto de atrair investidores profissionais internacionais mesmo em períodos de maior aversão a negócios na América Latina.
Dentre os investimentos já finalizados pela gestora, os seus fundos devolveram R$ 30 bilhões, frente aos R$ 11 bilhões, aproximadamente, aportados nos últimos 20 anos. Isso significou quase triplicar o capital, e um ganho anual de 24,5%. Nos últimos 12 meses, a rentabilidade foi maior, com R$ 3 bilhões tendo sido investidos para trazer R$ 10 bilhões, um retorno de mais de 30%.
“Somos gestores de investimentos alternativos, que buscam oportunidades que não estão disponíveis na Bolsa, e procuramos setores novos e empresas novas. Esse tipo de investimento carrega riscos e retornos particulares”, afirma. “A taxa média de erros em fundos de private equity, dependendo do ano, varia entre 8% e 15%, segundo bases de dados globais. A nossa taxa é de 5%, mesmo incluindo a tese de shopping centers.”
A explicação para as dificuldades enfrentadas com este setor foi que a aposta de que o consumo, em especial, no interior, passaria por forte aceleração acabou sendo atropelada pela crise econômica deflagrada em 2015 e soterrada de vez pela pandemia, em 2020. Mesmo a tentativa de recuperar parte dos investimentos fracassou com a segunda onda da covid-19, na virada para 2021.
O Special Opportunities II foi criado em 2020, no início da pandemia, como uma forma de fazer novos investimentos para salvar parte do dinheiro utilizado para levantar a tese de shoppings, que resultou na formação do fundo Special Opportunities I, de 2012.
“Os shoppings estavam fechados na época e havia a expectativa de a pandemia terminar em agosto. Nós e meus sócios sabíamos do contexto do investimento e dos riscos. Estávamos aportando dinheiro numa empresa que estava em situação de estresse. Ninguém foi surpreendido pelas perdas”, defende.
“Nossos erros são erros de teses de investimento e não de conduta”, alega Teixeira, que critica a repercussão e os comentários que surgiram na semana passada, de que os investidores teriam sido pegos de surpresa pela cota negativa do fundo e que a comunicação da gestora foi falha quanto às dificuldades financeiras do negócio.
Gestora explica o investimento em fundo de shopping centers que teve cota avaliada em R$ 301 negativos e fala sobre os aprendizados que o caso deixou. - Foto - Via Vale/divulgação
Todo o barulho recente começou em 19 de julho, quando a gestora divulgou a venda da holding Portfólio Centro Sul, que congregava os últimos quatro shoppings centers na qual investiu, em Taubaté (SP), Bragança Paulista (SP), Varginha (MG) e Lages (SC).
Desde 2021, a estratégia do Pátria mudou de tentar recuperar os investimentos para um plano de se desfazer dos ativos e mitigar as perdas. A partir de então, os seus 13 shoppings começaram a ser vendidos. As dívidas totalizavam R$ 700 milhões.
Cinco dias depois da venda final, feita a um grupo não revelado especializado em recuperação de negócios em dificuldades, o Pátria divulgou fato relevante (comunicado), baixando o valor das cotas de seu fundo de R$ 10,5 para R$ 301 negativos, para cobrir a transferência dos negócios e as dívidas restantes.
“Acho que todos vão aprovar o aumento do capital. Mesmo que esses cotistas não queiram participar dos aportes, os sócios do Pátria devem fazer reforço de capital para complementar o valor”, diz Teixeira.
O fundo Special Opportunities II tinha entre seus cotistas forte exposição dos próprios sócios do Pátria. Ao todo, o negócio tinha mais de 70 cotistas, sendo cerca de 20 deles investidores sócios da própria empresa. Os demais eram cotistas externos. Os sócios também estarão protegidos de novas perdas, caso a empresa que assumiu os shoppings peça a recuperação judicial do negócio.
Deixando uma lição para a gestora, a tese malsucedida mudou muito a forma de o fundo atuar, defende o sócio. “O Pátria de 2023 não é o Pátria de 2012. Usamos essa frustração para aprender e melhorar”, diz. Pela frente, não será de se esperar os fundos da empresa ligados a negócios de setores cíclicos, sensíveis a juros e dependentes de endividamento e engenharia financeira para produzir retornos. “Não temos nenhuma tese que precisa de financiamento de banco de investimentos”, diz.
“O Pátria investe hoje em setores resilientes. Gosta do setor de saúde, com a expectativa de envelhecimento populacional, quer resolver gargalos logísticos do Brasil. Gosta de infraestrutura, agronegócios, alimentos e transição energética para fontes renováveis. Saneamento básico é um bom exemplo de setor que interessa, por existir um gargalo estrutural enorme.”
Até por isso, o fundo tem sido citado como um dos interessados nos planos de privatização da Sabesp, que deve passar por follow on (oferta subsequentes de ações), segundo anúncio feito pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, nesta semana.